Entrevista Bruno Migliari



Bruno Migliari 


Como a música aconteceu na sua vida, você  vem de uma família de músicos?
Desde pequeno me interesso por música. Embora não venha de uma família de músicos (meus pais são ambos sociólogos e a única musicista na família da qual haja registro é uma tataravó do lado paterno, cantora lírica na Itália), a música sempre esteve cotidianamente presente em nossa casa. Sempre se ouviu muita música em casa quando eu era pequeno, muito Chico Buarque, Caetano Veloso, Milton Nascimento, João Bosco, Gal Costa… e Beatles, muito Beatles! Também rolava jazz, especialmente Louis Armstrong, Dave Brubeck, Ella Fitzgerald, Sarah Vaughan e até Lalo Schifrin. Yves Montand , Ornella Vanoni, e outras "curiosidades européias" também entravam no eclético "Stereo Quadrafônico" dos meus pais. Isso certamente abriu meus ouvidos desde cedo.
Nos anos de formação o que você escutava  que  te levou ao contrabaixo elétrico?
Comecei a gastar o dinheiro da mesada com discos bem cedo. Lembro que os primeiros discos importantes que comprei com meu dinheiro foram "Revolver", "Let it Be" (ambos dos Beatles), "Double Fantasy" (John Lennon) e "Hot Space" (Queen), em 1982, eu tinha de 10 pra 11 anos. Dois anos mais tarde eu já planejava tocar um instrumento e "arranhava" os pianos que encontrava pelo caminho, mas meu ouvido já me levava pro baixo. Tinha algo ali que realmente me movia, alguma coisa muito interessante no som e no papel do instrumento, na forma como parecia ser o "cimento" que unia todos os "tijolos", e ao mesmo tempo tinha uma independência interessante, uma capacidade de fazer uma "segunda melodia", paralela àquela mais óbvia, normalmente na voz ou nas mãos do "solista". Tinha algo nisso que reverberava a minha própria personalidade, eu acho. E além de tudo, percebia que o baixo fazia as pessoas dançarem, provocava uma reação física imediata. Acho que quando eu comecei a sacar isso eu ouvia principalmente Beatles (e as carreiras pós-Beatles de Lennon e McCartney), Queen e Police, e curtia também os grupos do momento, então coisas como Men at Work, Duran Duran e, entre os brasileiros, Barão Vermelho. Quando rolou o primeiro Rock in Rio eu já havia tomado uma decisão, conjunta com os amigos mais chegados na época: formaríamos uma banda e eu seria o baixista! Logo após o festival, comecei a ter aulas de violão num instrumento que pertencia à minha mãe, que, um tanto receosa de investir de cara num baixo elétrico sem saber ao certo se aquilo ia pra frente, topou me dar o violão e bancar as primeiras aulas pra ver até onde eu iria. Não foram precisas muitas aulas pra perceber que eu levava a música muito a sério, e que o meu lance era mesmo o baixo. Meus pais, uma vez convencidos, rapidamente me deram meu primeiro baixo elétrico e eu imediatamente fiz um "upgrade" de professor, indo estudar na renomada escola Pro-Arte com Adriano Giffoni. Devo muito a ele por ter de cara me apresentado aos ritmos brasileiros e ao jazz e fusion, muito em voga na época, e me ensinar imediatamente a ler e escrever música corretamente. Isso mudou minha cabeça muito rapidamente, e eu desenvolvi um apetite voraz por informação musical. Sempre gostei de estudar, e nunca deixei de fazê-lo. Os "anos de formação" propriamente ditos começaram aí, em 1985, quando entrei na Pro-Arte, onde estudei baixo elétrico, teoria e percepção, além de harmonia e improvisação, por 3 anos para então ingressar no bacharelado em contrabaixo acústico na Uni-Rio em 1989, onde estudei com Antonio Arzolla, me formando em 1994. Vale citar que ao longo deste período continuei estudando baixo elétrico paralelamente com Aurélio Dias, um mestre do soul e do funk que também exerceu uma grande influência na minha educação musical. Durante estes 10 anos "formativos" as coisas que mais ouvi foram: Weather Report (e qualquer coisa com o Jaco tocando), Miles Davis (especialmente a fase "fusion" dos anos 80, a partir do "The Man With the Horn" e culminando com "Tutu" e "Amandla", todos com o Marcus Miller), Tower of Power e Prince (o funk é imprescindível na dieta de qualquer baixista!), e ainda Jethro Tull, Led Zeppelin, Beatles, Sting, Milton Nascimento e Hermeto Pascoal.
 Hoje em dia você é conhecido como um grande side man, já tendo tocado com Ana  Carolina, Frejat etc e tal. Qual o segredo para o telefone não parar de tocar?
Praticar, praticar e praticar mais um pouco. Sério mesmo: não tem atalho. Você tem que se dedicar totalmente à música e ao instrumento. Pensar no estudo como uma espécie de "jardinagem", onde a sua musicalidade inata, ou talento, é um campo fértil, que quanto mais é semeado, mais frutos dão. Tenho plena noção de que tudo o que colhi até hoje veio desta dedicação. É claro que, para nutrir uma paixão desta intensidade você tem que ter isso no DNA, senão seria uma luta inglória… seria semear um solo árido (rs, rs, rs). Mas também não adianta ficar "olhando a grama crescer", porque ela não cresce sozinha. O talento precisa ser "regado" pelo estudo. E recomendo que esse estudo seja amplo, abrangente. É fundamental conhecer diversos estilos de música, conhecer harmonia, saber ler música e ter bom domínio técnico do instrumento.

Teoricamente o material da Ana Carolina é bem diferente do material do Frejat, como se adaptar aos dois trabalhos?
Em primeiro lugar, enterrar qualquer preconceito musical bem fundo. Há uma tendência natural, quando a gente estuda muito, de estabelecer uma escala de valores estéticos regida pela complexidade e sofisticação do material. Quanto mais difícil e intrincado, melhor… e isso, no final das contas, pode se tornar um empecilho quando se está trabalhando com algum artista cujo universo musical não se enquadra nestes valores. É muito importante ter uma formação sólida e ser capaz de tocar "de tudo", mas isso precisa vir acompanhado de uma sensibilidade estética, uma capacidade de compreender a intenção do artista com quem você está tocando, seu universo de referências musicais e a capacidade de se adaptar a ele. Não adianta querer forçar as suas próprias referências musicais a priori nas composições de quem você está acompanhando. Isso é um processo que precisa ser muito sutil e delicado, senão soa forçado. É claro que, quando fui chamado para tocar com o Frejat e com a Ana Carolina eles estavam interessados na minha contribuição (e não a de outro baixista) de modo que também não se deve anular a própria personalidade ou esconder as suas preferências musicais pessoais, já que elas constituem a nossa individualidade musical. O importante é encontrar a interseção entre a sua própria personalidade musical e a do artista que você está acompanhando. Assim se estabelece uma troca, um verdadeiro diálogo artístico, o que é legal pra todo mundo.
Existe uma preocupação na hora de tirar as músicas, ou seja, você tem liberdade para apimentar um pouco as linhas ou acaba fazendo o que foi gravado?
Tanto com o Frejat quanto com a Ana Carolina (e com muitos outros artistas que já acompanhei) as gravações originais servem como referência, como um "template" inicial, ao qual eu gradualmente adiciono, subtraio e aprimoro até que ele passa a ter a minha "assinatura". Costumo ter liberdade para isso, provavelmente porque não saio "bicando a porta" na hora que estamos ensaiando as canções (rs, rs, rs). Bons exemplos disso são as linha que toco em "Bete Balanço" (com Frejat: http://multishow.globo.com/Rock-in-Rio/Videos/_1648893.shtml) e "Uma Louca Tempestade" (com Ana Carolina: http://youtu.be/m7RLyLPtKrA). Se você comparar as linhas de baixo das versões originais das canções com aquelas que toco ao vivo, notará as semelhanças fundamentais a algumas diferenças interessantes também, que resultam na tal "assinatura".

Como foram os ensaios para o show do Rock in Rio, o repertório foi escolhido pelo Frejat? Ou ele divide um pouco isso com os caras da banda?
Frejat é um cara muito bacana, o artista mais bacana e generoso com quem já trabalhei. Embora a palavra final seja naturalmente dele, ele busca sempre a opinião do grupo, e ela acaba tendo um peso grande. Vindo do Barão Vermelho, ele estabeleceu uma dinâmica de banda mesmo em seu trabalho solo. Todos nós somos convidados a "dar o nosso pitaco", tanto na concepção dos arranjos quanto na escolha do repertório e até do figurino. Para o Rock in Rio ele apresentou um set list inicial e nós propusemos alterações na ordem e até o corte de algumas músicas, quando ficou claro que o show estava um pouco longo. Nesta turnée atual ("A Tal da Felicidade") o show tem 1:30 hs. e no Rock in Rio tivemos apenas 50 min. para apresentar nosso show. Fizemos apenas 5 ensaios para adequar alguns arranjos (basicamente encurtar alguns solos,  introduções e codas) ao formato do show e para agregarmos o naipe de sopros e a percussão à sonoridade já coesa da banda.
 Para ver o show completo: http://www.youtube.com/user/rfrejatoficial#grid/user/1F8E417BD2A57916).

Fale-me um pouco do equipamento que você usou nesse show...
Nesta tournée uso basicamente 3 baixos elétricos, todos com "código genético Fender". Para os rocks e r&b's uso um Squier Vintage Vibe Precision sonic blue, para as baladas uso um Squier Vintage Vibe Jazz Bass olympic white (fretless), e para as coisas mais funkeadas uso um "híbrido" Fender/D'Alegria Jazz Bass "verde-fusquinha". Tendo já colocado minhas "jóias preciosas" na estrada em tournées anteriores (e sofrido com as consequências), desta vez resolvi adquirir instrumentos da mesma estirpe porém de custo modesto, e optei pela série Vintage Vibe da Squier, subsidiária da Fender, que apresenta todas características que tornam os Fender antigos tão palatáveis, e até agregam alguns detalhes interessantes, como ponte hi-mass e corpos mais leves. Soam muito bem, tanto que eu até planejava usar meu Fender Precision PJ 76' e meu Fender Precison PJ fretless 75' no Rock in Rio e fui dissuadido pelo próprio Frejat, que estava curtindo muito o som que eu estava tirando dos "primos mais pobrinhos" (rs, rs, rs). Nunca usamos amplificadores no palco (desde a primeira tournée em 2001), optando pelos simuladores da Line 6, que atualmente está nos apoiando. Nesta turnée estou usando o POD X3 Pro, comandando os pre-sets que criei através da pedaleira FBV Shortboard MKII. O resultado é bastante convincente, e assim garantimos ao nosso técnico uma maior capacidade de controlar o som no PA.
Fora este trabalho – com Frejat - quais são seus outros projetos?
Como "side man" auto também com a talentosíssima cantora, compositora e instrumentista Monique Kessous (ganhadora do Prêmio Multishow na categoria revelação este ano: http://www.youtube.com/user/migliaribass#grid/user/DA02AEAD4A2F2CBB), fazendo a direção musical e tocando baixo elétrico, baixo acústico e cantando. Também faço a direção musical da cantora Thaís Gulin, que tem um trabalho muito original (http://www.youtube.com/watch?v=QoKWnNi2lPc), e ocasionalmente também toco com ela (diretor musical e  sub do baixista!). Também estou envolvido em um novo projeto do cantor e ator Serjão Loroza (http://www.youtube.com/user/migliaribass#grid/user/8F0C9849F9DD55B8), um amigo de longa data e queridíssimo, tocando baixo, escrevendo arranjos e co-dirigindo o trabalho com ele. Ah, tem também o novo CD de canções meu grande amigo Quito Pedrosa (saxofonista, compositor, violonista e agora também cantor!), que estou co-produzindo com ele. É minha "gig" mais antiga, toco com ele desde os 18 anos! (http://www.youtube.com/user/migliaribass#grid/user/5B9428088BE6DF6A).
Paralelo a isso tudo sigo desenvolvendo meu trabalho pessoal, neste momento através do Bruno Migliari Trio (http://www.youtube.com/user/migliaribass#grid/user/EEDD3B75F652E2EA) e pretendo gravar um novo disco ainda este ano. Também continuo envolvido em outros projetos de música instrumental, como o meu quinteto 8VB (lê-se "Oitava Abaixo" : http://www.youtube.com/user/migliaribass#grid/user/4471D21146165602); a pequena orquestra 11 Cabeças (http://www.youtube.com/user/migliaribass#grid/user/6A2DD47F2BDA0429) que temos planos de re-ativar; o Tributo a Pat Metheny (http://www.youtube.com/user/migliaribass#grid/user/7D635D5405BD5544); o Weather Forecast, dedicado à obra do Weather Report (http://www.youtube.com/user/migliaribass#grid/user/C2BD43B29ACE1CFD) e o trio Galante, Migliari e Rutigliano (http://www.youtube.com/user/migliaribass#grid/user/53CC93076CF4BB6A).
Existe algum artista com o qual você sonha em trabalhar e ainda não pintou a oportunidade?
Ah sim, é claro! Lenine, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Chico Buarque, Djavan e João Bosco. Estes são caras que admiro muito dentro da nossa MPB. No campo do jazz, gostaria muito de trabalhar com a Orquestra Ouro Negro ou outros projetos do arranjador Mário Adnet, como o Jobim Jazz.
Qual o conselho você daria pra um iniciante no instrumento que almeja uma carreira vitoriosa como a sua?
Dedique todo o tempo que puder ao instrumento. Tenha sempre o instrumento por perto, toque ele quando acordar e logo antes de dormir. Sei que isso é um conselho um tanto temerário, mas seja obsessivo! A obsessão musical traz seus dividendos…
E eu nunca conheci um artista que não fosse obcecado pela sua arte!


Pra quem quiser conhecer mais sobre o meu trabalho, recomendo as páginas abaixo:
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